Riscos do Mediunismo

Impondo-se cada vez mais, no meio dos cultos afro umbandistas, a Exubanda ou Quimbanda, tornou-se um fenômeno social capaz de atrair multidões e encantar fiéis. Acredito que nunca se falou tanto na entidade Exú, como na atualidade. Fascinantes, estes espíritos conseguiram em curto espaço de tempo ocupar lugar de destaque em meio aos vivenciadores das atividades dos terreiros.
Diversas vezes já se ouviu dizer que até bem poucos anos atrás, o espírito Exú e Bombo Giro(popularmente chamada de Pomba Gira ou Exu mulher), se manifestavam ao final das sessões de caridade, realizados pela religião da Umbanda, nos centros. As manifestações destas entidades aconteciam em meio a um clima de suspense e rigorosos cuidados, era a chamada “virada” nos trabalhos. Nestes momentos crianças, senhoras grávidas e pessoas que compareciam pela primeira vez no terreiro eram convidados a se retirarem do ambiente, e aqueles que permaneciam(quase sempre temerosos e curiosos para ver o que aconteceria), eram comunicados de que somente poderiam se retirar da casa no final absoluto da atividade. Por serem espíritos de evolução duvidosa, conhecedores da forma de como manipular os fluídos e construir “milagres”, mas com uma mínima evolução moral e ética, visto sua disposição á “negociação” de favores, até dos mais questionáveis, com os mortais, Exu e Pomba Gira, não se manifestavam em médiuns iniciantes, mas normalmente nos mais experimentados. Os médiuns masculinos jamais recebiam manifestações do chamado “Exu mulher”. A incorporação mediúnica destes espíritos acontecia quase sempre muito rapidamente, não permaneciam mais do que quinze minutos na atividade de descarrego, e eram sempre envoltas numa pruma pesada, devido aos diversos sons que emitiam, remetendo a idéia de que vinham de uma esfera opaca e sombria, deixando claro a diferenciação entre o nível espiritual de “Esú”(Obará) Orixá, e o Exú andarilho ou mundano, o “Exud” da pronuncia judaica. Comumente o “marafo de Exú” era despejado no chão puro, de onde o aspirava para realizar os borrifos, iluminados por velas de sebo, as quais ingeriam no final, se não fossem contidos pelo sacerdote do templo. Este ritual tinha como objetivo precípuo a limpeza energética do ambiente, onde já haviam trabalhado Pretos velhos e Caboclos.
Costumo dizer que nas religiões como um todo, não existem fundamentos antigos ou modernos, por darem norte a uma crença, são intocáveis e imutáveis.
Digo isso, considerando a mudança no comportamento e no tratamento, dispensado para estas entidades, no âmbito ritual das casas de religião, a partir do momento em que algum sacerdote, sabe-se lá por que motivo, passou a estimular a permanecia destas manifestações por mais e mais tempo, chegando as raias de constituir sessões somente para este tipo de incorporações, e finalmente chegando ao ápice, com festas de variadas grandezas.
Se avaliarmos que estes hábitos rituais passaram a acontecer em torno dos últimos vinte anos, observaremos que foi este o tempo que os Exus mundanos deixou de se manifestar na forma de um “faxineiro” espiritual(se é que assim podemos imaginar), dirigidos pelos luminares da Umbanda, para assumirem a condição de “reis e rainhas” manifestando-se com soberba e finesse. Perdoem-me os que pensam diferente, mas insisto em acreditar que em tão poucos anos, considerando-se a consciência da passagem do tempo para os espíritos desencarnados, esta transformação evolutiva não teria tempo hábil para ter acontecido. Não vou elencar aqui questionamentos sobre o objetivo religioso sócio-comunitário ou quais os princípios básicos da religião da Quimbanda, ou a metodologia observada para dar amparo mediúnico e psicológico aos médiuns em desenvolvimento para esta atividade, e nem questões como os rituais criados para servir a estes espíritos, quase sempre os aproximando dos ritos da Nação ou do Candomblé, chegando, alguns, a citá-los como “meu pai Exu”, ou “minha mãe Pomba Gira”, e pasmem os leitores, isso acontece muito mais do que se imagina. Outro fator que chama a atenção, são aspectos outrora descartados, como a manifestações do Exu mulher em médiuns masculinos, comumente homoafetivos, e a postura clássica e aristocrática das entidades, quase todos apregoando terem sido, em matéria, membros de uma realeza da qual não oferecem dados comprobatórios ou de pesquisa.
Deixo claro que os comentários que faço, não tem o objetivo de macular a fé ou transformar os conceitos de quem cultua este tipo de trabalho de mediunísmo, como religião. Simplesmente estou transcrevendo um relato, do que presenciei, pesquisei e acompanho sobre esta questão há longos anos.
Mas, entre todas as análises que se possa fazer, em torno deste tema tão cheio de interpretações diferenciadas, o que mais preocupa é a questão mediúnica e psicológica, dos medianeiros desta manifestações espirituais.
Como disse acima, o culto a Exu é levado a se aproximar, cada vez mais, de religiões como a Nação e o Candomblé. Isso, se não for bem administrado e esclarecido, pode colocar em risco a saúde mental e incutir nos médiuns despreparados ou desconhecedores da gravidade do ato que vão desempenhar, a errada idéia de que o fenômeno da manifestação de Exu ou Pomba Gira, não dependa de educação disciplinar e preparação psíquica e mediúnica, e que o fato poderá acontecer de forma repentina ou naturalmente. Nas religiões de expressão mais africanista, existe uma preocupação forte com a manifestação do chamado “vento”, uma forma inconsistente de transe. Da mesma forma, acredito, que a falta de uma preparação adequada para o desenvolvimento do transe quimbandeiro possa dar vasão a transes de animismo(mistificação não intencional), ou de entidades mentirosas ou enganadoras, atraídas pelas efervescentes vaidades humanas, presentes em alguns casos, ou pelos ofertórios entregues a satisfações dos vícios humanos do fumo e do álcool, entre outros muito apreciados pelos Exús, ao demais, para que um transe mediúnico de incorporação aconteça, é indispensável que o cérebro do medianeiro esteja em perfeito equilíbrio para o relaxamento pela concentração, o que permitirá a manifestação em nível consciente(a grande maioria dos médiuns que se incorporam na Umbanda ou Quimbanda), semi conscientes ou inconscientes(uma minoria absoluta). A ingesta de substâncias, como bebidas alcoólicas, durante os rituais, desfavorece o poder de concentração, logo enfraquece a sintonia entre a entidade e o médium, e o fato pode levar a situação onde já não é mais o espírito, mas sim o médium agindo por conta própria, auto sugestionado por sua consciência mediúnica, ou induzido por outra ordens de espíritos desditos. Cada vez mais, é imprescindível que os sacerdotes busquem informações que norteiem as atividades espirituais que realizam, e orientem seus seguidores sobre a gravidade do ato de se envolver com os mistérios da espiritualidade, em especial com estas entidades tão a margem da visão religiosa comum, visto que serão responsabilizados espiritualmente, pelo bom ou mau uso que fizerem de suas possibilidades de trabalho no intercâmbio com a espiritualidade. É preciso haver, também, nas casas de Exubanda, interesse por parte dos trabalhadores, em conhecer os objetivos úteis, e qual o benefício energético que terão no envolvimento com estes espíritos. Dizem que “sem Exu não se faz nada”, mas que se faça com consciência e conceitos bem formados sobre o que se esta fazendo.


Colaboração Pai Mozart de Iemanjá
mozartiemanja@bol.com.br

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